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Joana Marques

Maestro Maurício Galindo - A batuta que leva a música mais além


Maestro Maurício Galindo, um homem de fraque com uma batuta

Por Joana Patacas, em 05 de abril de 2024*


Educação, partilha e legado são as notas que compõem a sinfonia da vida do Maestro Maurício Galindo, uma presença marcante no cenário musical, cuja batuta orienta não só orquestras mas também mentes e corações na descoberta da música clássica. 


Enraizado tanto no Brasil como, agora, em Portugal, tem uma carreira notável, pautada por um compromisso incansável em tornar a música clássica acessível e compreensível. 

Para Galindo, a essência da música estende-se muito além das notas e partituras, pois encontra-se igualmente nas histórias de quem a interpreta e experiencia. Ela revela uma profundidade que transcende a sua execução, abrindo caminho para a partilha de vivências. Nesse sentido, a música assume o papel de uma linguagem universal, que deve estar ao alcance de todos: 

A missão que temos enquanto músicos é a de compartilhar esse tesouro não apenas com a nossa geração, mas também com as futuras. Afinal, a verdadeira essência da música reside na sua capacidade de unir pessoas, de atravessar gerações, e de enriquecer a vida de todos. Esse é o legado que devemos aspirar a deixar.” - Maestro Maurício Galindo, 2024. 

A sua formação foi marcada por mestres como o compositor francês Michel Philippot, fundador do Instituto de Artes do Planalto da Unesp; o violinista e professor Alberto Jaffé, pioneiro em ensino coletivo de cordas; e o pianista e professor Sigrido Levental, do Conservatório Brooklin Paulista. 


Atualmente a viver em Vila do Conde, o Maestro Galindo divide o seu tempo entre Portugal e o Brasil, preparando-se agora para entrar na cena musical portuguesa. Com uma rica experiência acumulada, está determinado a divulgar a música em terras lusas e a promover um intercâmbio cultural profundo entre os dois países: 

O que realmente me distingue é a minha capacidade de criar uma ponte entre o repertório brasileiro e o português, enriquecendo as experiências musicais através de concertos comentados. Além disso, quero contribuir para a formação em música, oferecendo palestras, oficinas e estágios em conservatórios.” - Maestro Maurício Galindo, 2024.

Nesta entrevista ao Maestro Maurício Galindo, convidamo-lo a conhecer o percurso singular de um virtuoso da música clássica contemporânea, cuja carreira o distingue tanto como artista quanto como pessoa. 


Quando é que a música começou a fazer parte da sua vida? 


Muito cedo. Ao certo já nem me lembro. Minha mãe conta que, desde que eu era um bebé, só dormia se ela colocasse um disco na “vitrola” [gira-discos]. Quando me dei por gente, já ouvia música. Na minha infância, quando a gente chegava na escola pública era logo enfileirado. Todos os dias cantávamos. Isso era, na verdade, um legado do projeto de canto orfeónico que Villa-Lobos introduziu no Brasil em 1932. Mesmo que no Brasil esse projeto tenha sido oficialmente finalizado em 1971, eu ainda fui beneficiado por ele, visto que comecei a escola primária em 1966, aos seis anos de idade. Aquilo para mim era fascinante. Adorava chegar à escola e cantar. A gente cantava três, quatro músicas do folclore brasileiro, que tem muita coisa do folclore português. 


E quando é que começou a trocar um instrumento? 


Quando tinha cerca 11 anos, na 5ª série, tinha uma professora de música que nos incentivava a cantar. Ela não perdia tempo só explicando teoria, como o que era uma clave de sol ou uma semicolcheia. A gente simplesmente cantava. No final do ano, ela organizava uma apresentação com um mega coro, juntando crianças de várias escolas. Eu amava aquilo. E um dia ela me observou e falou: “Vem cá, você não vai só cantar, vai tocar um instrumento de percussão também”. E me entregou um chocalho. Senti que ela confiava em mim. Aquilo para mim foi uma glória. Acho que foi por aí que comecei a pensar em levar a música um pouco mais a sério. 


Os seus pais incentivaram-no? 


Meus pais foram minha maior referência. Minha mãe estudou num colégio católico como interna e o que mais gostava de fazer era de cantar no coro. Ela me falava disso com frequência. Meu pai tinha sido cantor de rádio, até se casar. Da minha mãe veio o gosto pela música erudita e, do meu pai, pela música popular brasileira. Meu interesse pela música foi crescendo. Houve uma época no Brasil que a gente comprava nas bancas de jornal fascículos sobre a vida dos compositores, e vinham com um disco. Eu, que já estava acostumado a ouvir os discos da minha mãe, comecei a juntar dinheiro para comprar esses fascículos, o que já mostrava um gosto bastante particular pela música. Mas acho que foi no dia em que a professora me deu aquele chocalho que comecei a pensar seriamente em estudar música. O engraçado é que, apesar de meu pai e minha mãe terem tido uma vida musical precedente, eles não tomaram a iniciativa de me colocar num conservatório. Acho que talvez não quisessem que eu me tornasse músico… O meu pai sempre dizia que eu ia ser médico, e eu achava que ia seguir uma profissão na área das ciências exatas, da qual ainda hoje gosto muito. 


No entanto, acabou por conquistar uma vaga como violista na Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo. Como é que começou a sua formação musical? 


Sim. Foi uma grande conquista, mas também um grande desafio, pois tive de superar uma educação musical que, embora tenha começado cedo, nunca foi pensada para fazer de mim um músico profissional. Ao me decidir pela música, tive de estudar muito para suprir minhas lacunas, bem como vencer minha ansiedade e insegurança. Tudo isso passou quando conquistei uma vaga como violista na Orquestra Sinfônica Jovem. A partir daí, tudo correu bem. Mas antes disso, houve uma fase em que me interessei por música popular e fui estudar jazz. Comecei a ter aulas de guitarra, mas em contexto de música jazz, não de música clássica. Até que um dia, quando eu já estava a tocar razoavelmente bem, um colega me disse que em São Paulo estavam começando um projeto semelhante ao “El Sistema”, da Venezuela [modelo didático musical, idealizado e criado na Venezuela por José Antonio Abreu]. E eu fui conferir. Queria experimentar como era aprender um instrumento de orquestra e tocar numa orquestra, embora já fosse meio tarde para isso, porque eu já tinha uns 15 anos. No entanto, as aulas de guitarra e jazz era aulas muito sérias e tive um professor muito firme e dedicado que me ensinou muitas coisas – solfejo, ler cifras, harmonia – e ajudou a colmatar algumas falhas na minha formação musical. Tive muita sorte. Então, como já sabia um pouco de música, aos 18 anos ingressei no Curso de Bacharelato de Música na UNESP o, que me abriu muitas portas. Comecei a conviver com gente de altíssimo nível. Inclusive, tínhamos três professores franceses que vieram fundar o departamento de música da escola. Fui aluno do compositor Michel Philippot e o musicólogo francês Roger Cotte. Eram professores incríveis. Foi um salto de qualidade muito grande. 


Então, foi assim que tudo começou. 


Sim. Mesmo enquanto estava cursando o bacharelato em música, eu tinha aulas de viola com o professor Alberto Jaffé, que eu gosto sempre de lembrar, pois seguia um sistema de ensino muito eficiente e agora pouco se fala dele. Por essa altura, comecei a tocar como violista na Orquestra Jovem da Cidade de São Paulo, composta por estudantes, mas que tocava repertório profissional clássico. Continuei os meus estudos com o professor Jaffé no Centro de Estudos Musicais do SESC de São Paulo. Quando ele foi viver para os Estados Unidos, eu, como era um aluno destacado, passei a dar as aulas dele. Durante 14 anos dei aulas de instrumentos de cordas com arco em grupo e cuidava das orquestras formadas pelos jovens. Foi o meu primeiro contacto com o trabalho de regência. 


Essa era a minha próxima pergunta. Como é que se tornou maestro de orquestra? 


No curso de bacharelato tínhamos aulas de regência. Ou seja, não era um curso de instrumento, mas sim uma especialização em composição e regência. Me agradava muito a ideia de ser compositor, de saber escrever, de fazer orquestrações e arranjos, mas nunca pensei em ser regente de orquestra. Mas como profissionalmente eu tinha de cuidar de grupos de cordas, tinha de escrever arranjos e ensaiar com eles, foi assim que comecei, com peças muito simples. Em 1990, foi o único brasileiro selecionado para o “1º Encontro Interamericano para Jovens Diretores de Orquestra”, em Caracas, na Venezuela, patrocinado pelo “El Sistema”. Foi uma experiência incrível, porque efetivamente, todos os dias de manha, regíamos uma orquestra profissional. Era tudo filmado em vídeo e durante a tarde reuníamos com o professor e assistíamos aos vídeos de nós mesmos regendo e… ele “destruía” o nosso trabalho! Era um programa muito sério e tive muita sorte Aprendi muito com o professor argentino Guilhermo Scarabino, um grande diretor de orquestra. Foi como ter um curso de dois anos compactados num único mês, com a experiência prática diária de regência. Logo que voltei para o Brasil fui convidado para assumir a direção da Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo Foi o meu primeiro trabalho profissional como regente e fiquei lá durante até 2011. A todo o lugar onde vou, fico muito tempo! 


Ao longo dos anos foi regente de várias orquestras. Também teve uma longa permanência na Orquestra Brasil Jazz Sinfônica como regente e diretor artístico. Como foi essa experiência? 


A Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo e a Orquestra Brasil Jazz Sinfônica ensaiavam no mesmo lugar. A Jazz Sinfônica ensaiava à tarde, e a Orquestra Jovem, à noite. Eu costumava chegar mais cedo para assistir um pouco dos ensaios da Jazz Sinfônica. Muitos dos músicos eram colegas, pois eu também era músico profissional na época, tocando viola na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Um dia, a Orquestra Jazz Sinfônica precisou de um regente convidado para um repertório mais erudito, e eu fui convidado. Foi uma experiência interessante, mas de início enfrentei alguns desafios por conta da indisciplina. Eu valorizo muito o rigor. Nisso fui influenciado pelo regente Eleazar de Carvalho, com quem tive a honra de trabalhar como violista. Era um homem de métodos rigorosos, muito disciplinado, formado sob a tutela de Serguei Koussevitzky em Boston. Então, no início, acabei brigando com a orquestra por serem bastante indisciplinados, algo comum entre músicos que vinham tanto do mundo erudito quanto do jazz. Me lembro que no meio de um ensaio, cheguei mesmo a fechar a partitura, me zanguei com todos e fui embora. Mas depois os músicos reconheceram a importância do meu trabalho, reuniram em assembleia e decidiram me convidar para ser o diretor assistente da orquestra. Acabei aceitando o cargo, me tornei o regente titular [até 2024] e fui o diretor artístico por 12 anos [2005-2017]. Eventualmente, cansei de toda a responsabilidade que recaía sobre mim e decidi mudar-me para Portugal, buscando uma desaceleração na minha vida profissional. 


O que é que o motivou a mudar-se para Portugal e de que forma é que essa decisão afetou a sua carreira? 


Eu e minha esposa viemos passar férias aqui em 2005. Eu já conhecia Portugal, mas, para ela, era a primeira vez, e ela se apaixonou perdidamente. No ano seguinte, voltamos, e assim se seguiu todos os anos. Nesse meio tempo, dirigi muitos concertos pela Europa, na Letónia, Itália, Turquia... Sempre que tinha esses compromissos, dava um jeito de passar uns cinco dias em Lisboa, e minha esposa vinha junto. Até que um dia, ela expressou o desejo de viver em Portugal de verdade, experimentar o quotidiano, como é ir à padaria, ao supermercado... Isso foi em 2017, numa época em que eu já me sentia bastante desgastado com a direção artística. Minha cardiologista, preocupada com meu bem-estar, sugeriu que eu deixasse São Paulo, destacando o quanto a cidade era stressante. Cheguei em casa nesse dia e compartilhei com minha esposa o conselho da médica. De imediato, ela disse: "Então vamos para Portugal." E aqui estamos. 


Mas continua a viajar em trabalho? 


Sim. Sugeri continuar dirigindo concertos da Jazz Sinfônica como regente emérito. O atual diretor artístico é um grande amigo, e organizamos um calendário anual que me permite ir ao Brasil cinco a sete vezes por ano. As viagens não me incomodam; eu até gosto de voar. Essa mudança foi necessária para desacelerar, mas também me permitiu continuar ligado à orquestra sem ter que resolver todos os problemas inerentes à direção artística. Agora me concentro mais no repertório e nos ensaios. De certa forma, me acostumei com essa vida. 


Já tem projetos profissionais em Portugal? 


Ainda não, mas sinto falta de me envolver com o meio musical português, de fazer algo por aqui. Não estou buscando um emprego fixo, pois ainda mantenho meu vínculo com o Brasil, mas quero participar ativamente da cena musical portuguesa. No mês passado tive a oportunidade de viajar com uma equipa de professores portugueses para Luanda, Angola. Foi uma experiência fascinante. Uma amiga minha, que é professora de piano no Conservatório do Porto, elaborou um projeto e o apresentou à DG Artes, com o objetivo de enviar um grupo de professores a Luanda para realizar um estágio de uma semana. Ela me convidou para participar dessa iniciativa. Durante a estadia, tive o prazer de conhecer vários professores locais e explorar alguns trabalhos e estilos musicais de Angola. Fiquei verdadeiramente entusiasmado com o que vi e aprendi. Além disso, a viagem proporcionou uma excelente oportunidade de conhecer professores portugueses, com quem estabeleci boas amizades. Foi uma experiência muito enriquecedora, tanto profissional quanto pessoalmente. 


O seu trabalho também tem uma vertente muito didática. O seu objetivo é desmistificar e divulgar a música clássica? 


Realmente me dediquei ao ensino e à divulgação da música. E me apaixonei por isso. Meu antigo professor, Roberto Jaffé, sempre dizia algo que me marcou: “A música é um tesouro formidável da humanidade e deve ser compartilhado com todo o mundo”. As grandes obras da música clássica foram feitas pensando num público que não ultrapassava as 10 ou 15 mil pessoas. Mas o mundo evoluiu. Hoje, com os meios de comunicação de massa, esse tesouro incrível que é a música tem de ser compartilhado com todos. Essa lição me levou a ensinar música de maneira acessível a todos. 


Foi, portanto, com esse objetivo que criou dois programas de rádio? 


Sim. Em 2005, eu apresentei à Rádio Cultura FM de São Paulo, que é muito parecida à Antena 2 aqui em Portugal, um projeto que consistia em responder a perguntas dos ouvintes. A Rádio Cultura adorou a ideia e continuo a fazer isso até hoje. Se chama “Pergunte ao Maestro”. É um programa diário, pequenininho, que vai para o ar de segunda a sábado. Os ouvintes enviam as perguntas por email ou por telefone e eu respondo. Eles podem saber pouco do mundo musical, mas são muito curiosos. Satisfeito com o programa, a Rádio Cultura me encomendou um outro programa chamado “Encontro com o Maestro”. É semanal e dura uma hora. Aí sou eu que escolho o tema e depois faço uma pequena análise numa linguagem que todos podem entender. Isso se transformou em dois podcasts, que também estiveram na origem das aulas que comecei a dar online, por minha conta, durante a pandemia, e que também continuo a dar. 


Também é diretor musical da série de concertos infantis “O Aprendiz de Maestro”. Fale-nos desse projeto. 


É um prazer falar sobre esse projeto, especialmente porque eles me permitem explorar outras facetas da música clássica Em São Paulo, me dedico à educação musical infantil através de uma série de concertos pensados especificamente para crianças. Esse projeto começou de uma maneira bastante inusitada. Eu tinha um amigo ator e, certo dia, sugeri que fizéssemos uma apresentação do "Carnaval dos Animais" de Saint-Saëns, com ele interpretando o próprio compositor em trajes do século XIX. A ideia era que ele entrasse em cena alegando ser o autor da música, e a partir daí, desenvolveríamos um diálogo teatral, apresentando cada peça do Carnaval aos jovens espetadores. O que começou como um experimento se transformou em um sucesso, graças ao patrocínio de uma associação chamada TUCCA, formada por médicos que trata de crianças com câncer. Eles, que são apaixonados por música, propuseram que toda a renda dos concertos fosse destinada ao Hospital Dias, com a produção sendo financiada por verbas do Ministério da Cultura. Com isso, o projeto se solidificou e cresceu. 


E o maestro também representa? 


Sim, claro. Temos uma produção completa com diretor teatral e dramaturgo, que cria histórias envolvendo compositores de música clássica, como Beethoven, por exemplo. No palco, contamos com três atores — incluindo eu mesmo, que tenho que memorizar falas e interagir com o elenco —, além de artistas de circo e bailarinos. Nosso objetivo é criar uma experiência imersiva para as crianças, permitindo que elas vejam a orquestra em ação e interajam com diversas formas de expressão artística, desde o circo até o balé, enriquecidas por elementos cénicos. Além disso, há um lado didático muito forte no que fazemos. Eu faço questão de conversar com a plateia, contando histórias sobre os compositores e a época em que viveram, e de introduzir a música de uma maneira lúdica e educativa. Fazemos brincadeiras com a plateia. Tem momentos que eu peço para todos levantarem para experimentar a diferença entre o ritmo ternário e o ritmo binário. Peço para eles baterem palmas e baterem pés, criando, desta forma, uma experiência interativa e educativa. Realizamos 28 espetáculos por ano, há mais de 20 anos, e posso dizer com orgulho que fui um dos criadores esse projeto. É uma alegria imensa fazer esses concertos para crianças. E o mais impressionante é que tivemos sempre patrocínio, o que mostra a força e a importância do que fazemos. Nunca vi nada igual em nenhum outro lugar.


Gostava de trazer algum dos seus projetos para Portugal? 


Sem dúvida. No entanto, reconheço a necessidade de adaptações. Por exemplo, o trabalho do nosso dramaturgo em São Paulo, que incorpora piadas e referências culturais locais, precisaria ser ajustado para o contexto português. A cultura e o humor são aspetos sensíveis que variam bastante, e é essencial que qualquer projeto que trouxermos seja relevante e compreensível ao público daqui. Se tivesse a oportunidade, ficaria extremamente feliz de realizar concertos comentados em Portugal. Há, claro, a questão do meu sotaque brasileiro, mas acredito que isso não seria um impedimento. Nada é mais gratificante para mim do que realizar um concerto onde sinto que houve uma verdadeira comunicação com o público, mesmo que isso signifique escolher um repertório mais simples. Fiz concertos comentados durante os 20 anos com a Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo, o que considero fundamental para uma experiência musical completa. Claro que há ocasiões e lugares. Isso não dá para fazer em concertos com um formato estabelecido que não permite comentários. No Brasil, a prática de fazer concertos comentados é muito valorizada, e não sei exatamente como essa abordagem seria recebida em Portugal. Mas gostava muito de trazer minha paixão pela música e pela educação musical ao público português. 


Já fez regência em Portugal? 


Sim, tive o privilégio de dirigir uma apresentação em Coimbra, com fadistas do Fado de Coimbra. A história começou alguns anos atrás, após um concerto em São Paulo. Naquela noite, representantes do consulado português vieram ao meu camarim com um convite muito especial: queriam que, no ano seguinte, fosse incluído em sua programação um concerto em comemoração do Dia de Portugal. A proposta era incorporar o fado de Coimbra no evento em São Paulo. Sem hesitar, aceitei a proposta, mesmo sem imaginar que um dia viveria em Portugal. Durante o planejamento, propus convidar Maria João Granja para a primeira parte do concerto e, para a segunda, um guitarrista de Coimbra, Ricardo Dias, que é simplesmente fantástico. O concerto foi um sucesso. Quiseram repetir o concerto em Coimbra, com a Orquestra Clássica do Centro, mas aí já só a parte do fado. Também levámos esse concerto até Caracas, na Venezuela. Esta foi a única vez que tive a oportunidade de dirigir em Portugal, mas foi uma experiência marcante e uma honra para mim. Revelou-se uma forma incrível de divulgar a música portuguesa pelo mundo. E, claro, o que eu realmente desejo é ter mais oportunidades de dirigir concertos, especialmente agora que estou a viver em Portugal. 


Planeia continuar a viver em Portugal? 


Sim, definitivamente. Inicialmente, minha esposa e eu viemos para Portugal com a ideia de ficar por apenas dois anos. Escolhemos ir para Vila do Conde, perto do Porto. No começo, não tínhamos certeza de como seria a nossa vida aqui, se realmente íamos nos adaptar e ser aceites. Mas a realidade superou todas as nossas expectativas. Desde que chegamos, fomos incrivelmente bem recebidos pelos portugueses. A acolhida foi tão calorosa e sincera que rapidamente fizemos muitos amigos aqui, a maioria portugueses. Isso nos emocionou profundamente e nos fez sentir em casa. Com o passar do tempo, o que era para ser uma estadia temporária transformou-se em um desejo de permanecer. Portugal nos recebeu de braços abertos, e é aqui que queremos continuar a nossa vida. A riqueza das experiências que tivemos, a amizade e a ligação que criamos com as pessoas daqui são inestimáveis. Por isso, a nossa decisão é ficar e continuar a construir a nossa vida em Portugal. 


Quais são os seus planos para o futuro? 


O que realmente me distingue é a minha capacidade de criar uma ponte entre o repertório brasileiro e o português, enriquecendo as experiências musicais através de concertos comentados. Além disso, quero contribuir para a formação em música, oferecendo palestras, oficinas e estágios em conservatórios, por exemplo. Atualmente, estou desenvolvendo material para apresentar a todos os conservatórios portugueses, incluindo uma palestra especial sobre Chiquinha Gonzaga. Ela é uma figura emblemática da música brasileira, uma mulher que, nascida em 1840, desafiou o machismo predominante no século XIX para construir uma carreira notável, não apenas na música popular, mas também como a primeira mulher a dirigir uma orquestra no Brasil, e possivelmente uma das primeiras no mundo. A história dela é simplesmente fascinante. É esse tipo de conhecimento e experiência que desejo compartilhar aqui em Portugal. 


Se tivesse de dar um conselho a um jovem que está começando sua carreira na música, o que diria? 


Eu compartilharia com ele o mesmo conselho que meu professor me deu, algo que sempre ficou comigo e que considero de valor inestimável. Ele dizia que a música é um tesouro formidável, um bem precioso que deve ser partilhado. Eu não só reiteraria essas palavras, mas também enfatizaria a missão que temos enquanto músicos: a de compartilhar esse tesouro não apenas com a nossa geração, mas também com as futuras. Afinal, a verdadeira essência da música reside na sua capacidade de unir pessoas, de atravessar gerações, e de enriquecer a vida de todos. Esse é o legado que devemos aspirar a deixar.


Fotografia de perfil de Maestro Maurício Galindo por Dani Gurgel

*Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos


Quer saber mais? Veja abaixo uma das suas memoráveis conduções orquestrais:



Veja o seu projeto «O Aprendiz de Maestro»:



Poderá encontrar mais informações sobre o Maestro João Maurício Galindo em:

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