Nasci na pitoresca cidade de Beja, no coração do Alentejo, e cresci envolvida por melodias e harmonias que ecoavam na minha família. A música era uma presença constante; o meu pai, um talentoso músico de jazz que cantava e tocava bateria, tinha uma voz extraordinária que preenchia os espaços da minha infância. Embora as árias de ópera não fossem comuns em nossa casa, eu frequentemente imitava as grandes divas líricas, fechando-me na sala para explorar a minha voz, acreditando que ninguém me ouvia.
Apesar dessa paixão latente, o canto lírico não estava inicialmente nos meus planos. Com um talento natural para as línguas, decidi seguir o curso de Línguas e Literaturas Modernas, especializando-me em inglês e alemão. Contudo, o destino tinha outros planos. A minha madrinha, percebendo o meu potencial vocal, inscreveu-me, sem que eu soubesse, nas audições para o Coro da Gulbenkian. Surpreendida, mas encorajada, participei e fui seleccionada, iniciando assim uma jornada que mudaria a minha vida.
No Coro da Gulbenkian, sob a orientação do maestro João Valeriano, recebi as primeiras lições formais de formação musical. Descobri um universo que me fascinava e decidi aprofundar os meus conhecimentos. Ingressando no Conservatório Nacional, concluí o Curso Superior de Canto em tempo recorde. A minha voz, naturalmente potente e dotada de uma forte extensão vocal, rapidamente chamou a atenção no meio musical.
Determinada a aperfeiçoar a minha técnica, prossegui os estudos na Escola Superior de Música de Lisboa e, mais tarde, no prestigiado Mozarteum de Salzburgo, onde estudei com a renomada soprano Elisabeth Grümmer. A minha busca pela excelência levou-me a cruzar caminhos com a soprano espanhola Marimí del Pozo, cuja orientação foi crucial para descobrir e dominar a técnica vocal adequada ao meu timbre único.
Aos 23 anos, já me destacava nos palcos, interpretando papéis desafiantes que exigiam virtuosismo e notas agudas, como a Rainha da Noite em A Flauta Mágica, de Mozart, ou Olympia em Os Contos de Hoffmann, de Offenbach. A capacidade de atingir notas extremas com naturalidade tornou-me numa das sopranos mais requisitadas da minha geração.
Mas nem tudo foram facilidades. Enfrentei desafios que testaram os limites da minha técnica e resistência. A interpretação de "Minette" em The English Cat, de Hans Werner Henze, foi um desses momentos. Com uma escrita contemporânea complexa e exigindo presença quase constante em palco, este papel marcou-me profundamente, reforçando a minha resiliência e paixão pela ópera.
Ao longo da minha carreira, sempre mantive uma postura íntegra, recusando papéis que não se adequavam à minha voz ou que comprometessem a minha saúde vocal. Acredito firmemente que cada cantor deve respeitar a natureza única da sua voz e não ceder a pressões externas. A integridade artística é fundamental.
Paralelamente à minha atividade nos palcos, dedico-me com entusiasmo ao ensino. Como professora de canto, partilho com os meus alunos não só conhecimentos técnicos, mas também a importância da paciência, da resiliência e da autoconfiança. Encorajo-os a persistirem face às adversidades e a traçarem o seu próprio caminho no mundo da música.
Apaixonada pela cultura portuguesa, tenho-me dedicado à divulgação do repertório nacional, muitas vezes negligenciado. Projetos como "Entre Mulheres", em parceria com Nuno Dias, e o duo com o guitarrista Carlos Gutkin refletem o meu compromisso em levar a rica herança musical portuguesa ao público nacional e internacional.
Para mim, a música é mais do que uma profissão; é uma extensão do meu próprio ser. Mesmo fora dos palcos, a melodia acompanha-me, cantando espontaneamente onde quer que esteja. No entanto, é na História que encontro outra grande paixão. O fascínio pelo passado complementa a minha visão artística, ajudando-me a contextualizar as obras que interpreto e a enriquecer as minhas performances com profundidade e significado.